(IM)POSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA DE OFÍCIO EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Para realizar uma análise acerca da possibilidade de decretação de prisão preventiva de ofício em casos de violência doméstica, é necessário adentrarmos intrinsecamente nos tipos penais que regem a aplicação de medidas cautelares, tanto no Código de Processo Penal quanto na Lei nº 11.340/2006.

Nesse sentido, o CPP, em sua redação original de 1941, dispunha, em seu artigo 311, que “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial”. Essa redação foi posteriormente alterada pela Lei nº 12.403, de 2011, que determinou que a prisão preventiva poderia ser decretada não somente em fase investigatória e instrutória, mas durante todo o processo penal.

No entanto, com o advento do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019), foi excluída expressamente qualquer possibilidade de decretação de prisão preventiva de ofício, de modo a não restar dúvidas sobre o caráter acusatório do atual sistema persecutório penal. Cumpre destacar que tal sistema é o que mais se adequa aos princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, quais sejam o contraditório e a ampla defesa.

Ocorre que, ao observarmos a Lei Maria da Penha, também conhecida como Lei nº 11.340/2006, percebe-se que ela estabeleceu, em seu artigo 20 que “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial”, ou seja, nos mesmos ditames do art. 311 do CPP em sua primeira versão.

Diante de uma análise doutrinária, Lopes Jr. (2022) e Carpez (2022) sustentam a necessidade de uma observação minuciosa acerca da necessidade de aplicação da medida constritiva de liberdade extrema. Aduzem que, mesmo diante da possibilidade legislativa para tanto, deve ser demonstrada a

imprescindibilidade da prisão preventiva, sob pena de substituição por outra medida cautelar.

Insta ressaltar que a Lei 13.694/2019 alterou o art. 282, parágrafo 6º do CPP, a fim de determinar a necessidade de fundamentação sob os elementos do caso concreto para justificar a prisão, sob pena de ser considerada constrangimento ilegal (AVENA, 2022, p. 885). Nessa toada, Lopes Jr. (2022, p.17) destaca que, diante do descumprimento de medida cautelar diversa, cabe ao Ministério Público comprová-lo e pedir expressamente a aplicação da prisão preventiva. Assim, inexiste a possibilidade de decretação da medida extrema sem prévio requerimento dos legitimados previstos no art. 311 do CPP.

Assim, com o avanço legislativo trazido pelo Pacote Anticrime ao determinar o modelo acusatório de sistema processual penal no ordenamento jurídico brasileiro, é nítido o conflito de normas entre o atual Código de Processo Penal e a Lei 11.340/2006.

De acordo com Soares (2019), para solucionar as divergências entre normas, deve-se utilizar de três critérios: o hierárquico, o cronológico e o da especialidade. Pelo critério hierárquico, considera-se o sistema jurídico piramidal e hierárquico, ou seja, normas de um nível hierárquico maior prevalecem (ex: a Constituição é quem dita os parâmetros legislativos das demais normas infraconstitucionais no nosso ordenamento).

Considerando o critério cronológico, as normas são do mesmo nível hierárquico, mas editadas em momentos diferentes. Nesse sentido, a promulgada posteriormente prevalece em face da anterior.

Por fim, o critério da especialidade diz que, diante de uma norma geral e uma norma específica sobre determinado tema, prevalece o entendimento da norma específica. Nucci (2022, p.40) aduz que, diante de um conflito como esse, aplica-se a norma geral apenas em caráter subsidiário da específica.

Todavia, ainda que tratemos da Lei Maria da Penha como uma lei de caráter especial, é necessário ter um olhar aguçado para identificar as

divergências principiológicas com o próprio texto constitucional, o qual garante a todos, sem distinção, o acesso ao devido processo legal, sob prisma da ampla defesa e do contraditório, ou seja, as bases do sistema penal acusatório.

Assim, Avena (2022, p. 877), apesar de entender a possibilidade de decretação da prisão preventiva de ofício em casos de violência doméstica, reconhece que não é o entendimento majoritário. Ao contrário, entende-se pela revogação tácita do art. 20 da Lei Maria da Penha diante da nova redação do art. 311 do CPP, o que impossibilitada ao magistrado agir de ofício na decretação da prisão preventiva, mesmo nos casos de violência doméstica.

De outra ótica, Cavalcante (2021) aduz que, percebendo o art. 20 da Lei 11.340/2006 alinhado com os mesmos ditames do art. 311 do CPP à sua escrita inicial, a medida lógica é de que, após a alteração pelo Pacote Anticrime, ambos os dispositivos legais, de maneira harmônica, concordassem pela impossibilidade de decretação de ofício da prisão preventiva.

Considerando que a Lei Maria da Penha, em seu artigo 20, apenas reproduziu os dizeres do artigo 311 do CPP, não há lógica em tratar do princípio da especialidade no conflito direto dos dois dispositivos legais.

As divergências mais aprofundadas se dão quando é analisada a Nota Técnica 5/2021 do Centro de Inteligência da Justiça do Distrito Federal (CIJDF), a qual determinou a aplicabilidade do princípio da especialidade para não atribuir a mesma limitação do art. 311 do CPP ao art. 20 da Lei 11.340/2006 quanto a decretação ex oficio. Tal posicionamento foi ratificado pelo Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher,

vide Enunciado 51 (XI,2023).

Ocorre que, ao tratar da perspectiva do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o posicionamento é tendencioso para o reconhecimento da violação do princípio do acusatório diante da decretação de prisão preventiva de ofício. Vejamos:

Dessa forma, podemos ver uma sutil manifestação do Poder Judiciário diante da temática abordada, mas sempre de maneira discreta. Considerando ter sido localizado apenas duas jurisprudências específicas sobre o tema, não é possível afirmar ser um entendimento consolidado, mas pode-se utilizar disso para fomentar a discussão sobre o conflito das normas supracitadas.


AVENA, Norberto. Processo Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Método, 2022.

BRASIL. Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941. Dispõe sobre o Código de Processo Penal. Brasilia. Presidência República, [2022). Disponivel em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 8 ago. 2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Lei n° 12.403, de 04 de maio de 2011. Altera dispositivos do Código de Processo Penal. Brasilia. DF: Presidência da República, 2011. Disponivel em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _ato2011-2014/2011/lei/112403 htm. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Brasília. DF: Presidência da República. 2019. Disponivel em: https:/www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei113964.htm. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acordão 188888/2020. Relator: Min. Celso de Mello. 06 de outubro de 2020a. Disponivel em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754666552.    Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão 191886/2021. Relator: Min. Gilmar Mendes, 14 de dezembro de 2021a. Disponivel em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=758921839.      Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão 192532/2021. Relator: Min. Gilmar Mendes. 24 fevereiro 2021b. Disponivel em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755191978. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiças Acórdão 145225/2022. Relator: Min. Rogério Shietti Cruz. fevereiro 2022a. Disponivel em: https:/processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202103592114&-dt publicacao-22 04 2022. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Acórdão 705436/2022. Relator: Min. Olindo Menezes, 19 de abril de 2022b. Disponivel em. https:processo.stj.jus.br SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202100978596&dt publicacao-22 03 2022.

Acesso em: 12 ago. 2024

CAPEZ. Fernando. Curso de Processo Penal. 29. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.

CAVALCANTE. Elaine Cristina Monteiro. O Pacote Anticrime e a Lei Maria da Penha: reflexos das reformas procedimentais e na esfera de liberdade dos envolvidos. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 22, n. 57. P. 107-120, jan./mar., 2021. Disponivel em: https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/CadernosJuridicos/cj_n57_05_0%20pac ote%20anticrime%20e%20a%20lei%20maria%20da%20penha.pdf?d-637437203657173456 Acesso em: 12 ago. 2024.

CAMILLO. Carlos Eduardo Nicoletti. Manual da Teoria Geral do Direito. São Paulo: Almedina, 2019.

CENTRO DE INTELIGENCIA DA JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL. Nota Técnica 5.

Disponivel em: https://www.tjdft.jus.br consultas notas-tecnicas nota-tecnica-5- 2021.pdf view. Acesso em: 12 ago. 2024.

LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 7. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.

NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. SOARES. Ricardo Maurício Freire. Teoria Geral do Direito. 5. ed. São Paulo: SaraivaJur. 2019. XI FORUM NACIONAL DE JUIZAS E JUIZES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CONTRA A MULHER. Enunciado 51. Disponivel em: https: www.cn.jus.or programas-e-acoes violencia-contra-a-mulher forum-nacional-de-juizes-de-violencia-domestica-e-familiar-contra-a- mulher-fonavid enunciados . Acesso em: 12 ago. 2024.

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A CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL SOB A ÓTICA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro passou a reconhecer e se comprometer com a efetivação de um modelo jurídico democrático e preocupado com direitos e garantias fundamentais, prezando sempre pela liberdade do cidadão como indivíduo e como parte de um povo. Assim, em seu artigo 5º, elenca tais garantias fundamentais, destacando os direitos individuais, coletivos, sociais, políticos, de nacionalidade e garantias processuais.

Em meio a uma Constituição garantista e democrática, um dos principais pontos a serem destacados quando se fala sobre inviolabilidade da intimidade e garantias processuais é o direito à não autoincriminação, conforme o inciso LXIII do artigo supracitado, o qual decorre do direito ao silêncio.

Desse modo, é importante ter em mente qual o papel do Estado e a intenção da Carta Magna ao debatermos os aspectos legitimadores de uma confissão, especialmente quando esta ocorre em momento extrajudicial. Não é possível desvincular os aspectos constitucionais garantistas de qualquer ato processual, sobretudo quando se trata do cerceamento da liberdade de um indivíduo.

Ao abordar esse tema na legislação infraconstitucional, observa-se que o Código Penal Brasileiro traz, na redação do artigo 65, inciso III, alínea “d”, a possibilidade de atenuar a pena imposta ao réu que confesse espontaneamente a prática do crime que lhe foi imputado. Em complemento, o Código de Processo Penal dedicou o Capítulo IV para abordar a temática. Os artigos 197 e seguintes estabeleceram certos parâmetros, ainda que superficiais, para a valoração da confissão, sempre ressaltando o direito ao silêncio do acusado e a necessidade de valorar a prova da confissão com base em todo o arcabouço probatório contido no procedimento judicial.

No entanto, quando tal confissão ocorre ainda em fase extrajudicial, o Código de Ritos determina que, nos termos do art. 199, esta deve ser tomada por termo nos autos, observando o disposto no art. 195 quanto à assinatura do interrogado no referido termo. Ademais, em seu art. 200, o CPP estabelece que a confissão tomada em termos extrajudiciais deve ser confirmada em juízo.

Assim, é possível perceber que, ainda que haja certo esforço do legislador em garantir que a confissão seja tomada de maneira a respeitar os direitos e garantias fundamentais do acusado/interrogado, há espaço para muitas variáveis dentro da persecução penal e instrução capazes de influenciar na colheita da confissão, os quais devem ser devidamente ponderados para evitar excessos por parte do Estado.

De acordo com Aury Lopes Jr. 1, ao abordar uma confissão livre de vícios, é necessário que esteja presente seu caráter voluntário, em primeiro plano, de modo que a vontade do agente seja a de praticar o ato de confessar – daí se excluem quaisquer confissões colhidas mediante pressão física ou psicológica.

O professor também destaca o caráter suplementar da prova, demonstrando a superficialidade de uma condenação baseada unicamente em uma confissão, sem reflexo disso nas demais provas constantes no procedimento. Aury Lopes Jr. critica a dependência excessiva em confissões para fundamentar decisões judiciais.

Nesse viés, no 20 de junho de 2024, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Agravo em Recurso Especial nº 2.123.334/MG2, relatado pelo ministro Ribeiro Dantas, ocasião na qual fixou quatro teses sobre a admissibilidade da confissão em âmbito penal, distinguindo entrevista, confissão extrajudicial/informal e confissão judicial/formal.

O caso concreto diz respeito a um indivíduo condenado por furto simples com base em uma confissão informal e extrajudicial, colhida pelos policiais no momento da prisão, bem como reconhecimento fotográfico do indivíduo mediante filmagens de câmera de segurança, pois a vítima não havia presenciado

a situação. Dois aspectos importantes para analisar a situação são I) a ausência de encontro do objeto e II) a ausência de juntada do vídeo utilizado para a identificação do acusado aos autos do processo.

Ao analisar os elementos trazidos pela defesa, o Ministro Relator, em uma aula de dignidade à pessoa humana, reconheceu o descaso que o Poder Judiciário dá às alegações de tortura diante das abordagens policiais. Em seu voto, o Ministro demonstrou que, ainda que haja lógica em não desconfiar da palavra de um policial diante de uma confissão – ora, por que um agente público, sem conhecer as vítimas ou os acusados pessoalmente, arquitetaria e manipularia provas para a condenação de um indivíduo? – a prática de tortura diante de abordagens policias é extremamente recorrente, causando prejuízos inestimáveis às vidas daqueles forçados a admitir atos nem sempre praticados.

Assim, trouxe uma reflexão sobre a diferença entre admissibilidade e valoração da prova colhida nas fases judiciais e extrajudiciais.

Para que seja admissível, a prova precisa ser dotada de um mínimo de segurança de modo a permitir que, a partir de seu exame, se chegue a alguma conclusão sólida sobre um fato ocorrido no mundo real. Se a prova, pelas deficiências de seu conteúdo ou de como foi arrecadada, não for capaz de fomentar o atingimento de um maior ou menor grau de corroboração de uma hipótese, o resultado é sua inadmissão, por irrelevância, nos termos do art. 400,

§ 1º, do CPP, mesmo que não seja nula ou ilícita.

Ao observar objetivamente a situação de análise, o Relator, ao delimitar os critérios de admissibilidade, entendeu não ser possível admitir como prova uma confissão não somente extrajudicial, mas também informal, ou seja, colhida fora dos moldes do art. 199 do CPP: sem qualquer comprovação documental de que tal fato realmente aconteceu.

Não há confiabilidade no depoimento dos policiais ao somente afirmar, em testemunho de ouvi dizer, que houve uma confissão. Mas, além disso, também não há qualquer garantia que a confissão registrada em termo de

interrogatório lavrado pelo delegado de polícia tenha sido colhida espontaneamente.

Dessa forma, além da falha de confiabilidade da confissão exclusivamente extrajudicial, considerando a insegurança sobre os métodos de colheita utilizados pela autoridade policial, é inconcebível a admissibilidade de uma prova que sequer segue o parâmetro estabelecido pelo Código de Processo Penal quanto à lavratura de termo oficial para comprovação documental.

Corrobora com isso o entendimento do professor e advogado Aury Lopes Jr3., vejamos:

“Considerável doutrina e jurisprudência acabaram por criar, a nosso juízo equivocadamente, uma falsa presunção: a de que os atos de investigação valem até prova em contrário. Essa presunção de veracidade gera efeitos contrários à própria natureza e razão de existir do IP, fulminando seu caráter instrumental e sumário. Também leva a que sejam admitidos no processo atos praticados em um procedimento de natureza administrativa, secreto, não contraditório e sem exercício de defesa. Antes da promulgação do atual CPP, alguns códigos estaduais – como o da Capital Federal, segundo aponta ESPÍNOLA FILHO – previam que o inquérito policial acompanharia a denúncia ou queixa, incorporando-se ao processo e ‘merecendo valor até prova em contrário’. Provavelmente está aqui o vício de origem dessa rançosa doutrina e jurisprudência que seguiu afirmando esse valor aos atos do IP, quando o CPP não mais o contemplava. Claro está que, se o legislador de 1941 quisesse conferir aos atos do IP esse valor probatório, teria feito de forma expressa, a exemplo da legislação anterior. Outro aspecto que reforça nosso entendimento é a natureza instrumental da investigação preliminar. Serve ela para – provisionalmente – reconstruir o fato e individualizar a conduta dos possíveis autores, permitindo assim o exercício e a admissão da ação penal. No plano probatório, o valor exaure-se com a admissão da denúncia. Servirá sim para indicar os elementos que permitam produzir a prova em juízo, isto é, para a articulação dos meios de prova. Uma testemunha ouvida no inquérito e que aportou informações úteis será articulada como meio de prova e, com a oitiva em juízo, produz uma prova. Em efeito, o inquérito filtra e aporta as fontes de informação úteis. Sua importância está em dizer quem deve ser ouvido, e não o que foi declarado. A declaração válida é a que se produz em juízo, e não a contida no inquérito, tanto que com a reforma de 2019/2020 esse tipo de prova não mais irá integrar os autos que serão remetidos para o juiz da instrução (lembrando que o art. 3º-C, § 3º, está suspenso pela decisão do Min. FUX). Em síntese, o CPP não atribui nenhuma presunção de veracidade aos atos do IP. Todo o contrário, atendendo a sua natureza jurídica e estrutura, esses atos praticados e os elementos obtidos na fase pré- processual servem para justificar o recebimento ou não da acusação. É patente a função endoprocedimental dos atos de investigação. Na sentença, só podem ser valorados os atos praticados no curso do

processo penal, com plena observância de todas as garantias” (2021, p. 73).

Portanto, como alternativa à questão de confiabilidade da prova suscitada, o Ministro Relator estabeleceu como exigências para a admissibilidade da confissão extrajudicial: (I) o ato deverá ser formal, ou seja, com termo lavrado de

interrogatório e (II) realizado dentro de um estabelecimento estatal oficial.

Atendidos esses requisitos, a confissão será admissível, podendo integrar os elementos de informação do inquérito; se descumprido algum deles, a consequência é a inadmissibilidade da confissão.

O segundo grupo de normas refere-se ao momento crucial do processo judicial: aquele em que as provas são finalmente valoradas, determinando quais hipóteses apresentadas pelas partes são consideradas provadas. Sobre esse ponto específico, a legislação brasileira nos diz pouquíssimo, limitando-se a instituir basicamente três regras gerais:

  1. a adesão ao sistema de livre apreciação da prova, na forma do art. 155 do CPP;
  2. a distribuição dos ônus da prova, no art. 156 do CPP;
  3. a garantia de motivação das decisões judiciais, prevista no art. 93, IX, da CR/1988 e adensada em dispositivos legais esparsos, como os arts. 315, § 2º, do CPP e 489, § 1º, do CPC.

Quando se fala de livre apreciação da prova, pode-se ter a falsa ideia de que “qualquer prova” deve ser apreciada subjetivamente pelo Magistrado, aceitando qualquer justificativa e fundamentação para sua valoração nos moldes da vontade pessoal do julgador. No entanto, não devemos nos ater a uma visão tão simplória do texto legal. O livre convencimento se dá de maneira dar ao Magistrado o poder de identificar pressuposto indispensável da garantia do ônus – ou, pelo menos, da necessidade – da prova.

Outrossim, a necessidade de fundamentar as decisões judiciais transparece ainda mais a urgência de figurar a confissão como um mero meio de prova, e não como uma evidência absoluta do fato.

Nesse sentido, o Ministro suscita que, apesar de lícita, uma prova, ainda que seja a confissão, ainda é apenas uma prova e deve ser valorada corretamente de acordo com a sua influência nos fatos e com a coerência com as demais informações constantes no caderno processual.

Mas, afinal, quais as implicações técnicas dessa necessidade de fundamentação e análise do julgador na valoração das provas colhidas, ainda mais se tratando de uma confissão? Observe que aqui não se vara qualquer diferenciação de confissão extrajudicial e judicial.

Considerando o caso concreto apresentado, tem-se clara situação de tortura sofrida pelo acusado por parte dos policiais no momento da abordagem – coincidentemente, o mesmo momento da confissão. Assim, o Ministro Relator, ao se aprofundar na atuação policial violenta e seus reflexos nos quantitativos de confissões proferidas com base em estudos realizados por todo o mundo, demonstrou a fragilidade e influência dos meios coercitivos para a incriminação ilegal de indivíduos, resultando em um encarceramento em massa completamente deslegitimado pela Constituição.

De acordo com o Ministro, “em relação à motivação do réu para confessar falsamente, para além da resposta mais óbvia (a tortura), há situações mais sutis que o sistema penal brasileiro também não está habituado a averiguar em maiores detalhes. Como regra, pessoas confessam porque acreditam que os ganhos de curto prazo que obterão com a confissão (a interrupção de um interrogatório exaustivo ou agonizante, a expectativa de um perdão judicial) serão maiores do que os prejuízos dela decorrentes. Encontram-se nessa categoria as pessoas mais jovens, desesperadas, sem nenhuma experiência jurídica, com alguma deficiência mental – mesmo que esta não se enquadre no vetusto e inadequado conceito de insanidade (art. 149 do CPP) ou impacte sua imputabilidade (art. 26 do CP) – e, de modo geral, tendentes a agradar figuras de autoridade (SULLIVAN; VAIL; ANDERSON III, 2008, p. 31).4

Alguns comportamentos adotados pela polícia em interrogatórios buscam explorar essas vulnerabilidades e, assim, aumentam o risco de obtenção de uma condenação injusta, como demonstram estudos na Alemanha e na Áustria sobre o tema.”

Dessa maneira, tendo em vista os diversos motivos que podem influenciar no descrédito de uma confissão, ainda que se tenha colhido de maneira formalmente legítima – em termo lavrado e em estabelecimento de repartição pública –, é necessário que o julgador tenha um olhar mais aguçado para a valoração desta prova em relação aos demais elementos probatórios existentes no processo, ou, ainda, a ausência deles.

Apesar do STJ se valer de sua força jurisprudencial para impedir a incorreta aplicação do artigo 155 do CPP quanto a fundamentação exclusiva de uma sentença condenatória em provas colhidas em fase inquisitorial, garantindo, minimamente, a ampla defesa e o contraditório na esperança de, assim, obter provas não viciadas, ainda é muita ingenuidade considerar como absoluta uma confissão que não é coerente com os demais elementos processuais.

Nesse viés, se a ouvida do réu deve ser repetida em juízo no momento do interrogatório, e considerando o caráter retratável da confissão, não há nenhum sentido jurídico em permitir que a confissão extrajudicial seja valorada pelo juiz na sentença como um dos elementos justificadores da condenação. Chega-se a essa conclusão pela interpretação conjunta dos arts. 155, 185, 200 e 386 do CPP, os quais desenham um sistema bastante coerente: se é prova que se exige para a condenação, e prova é somente aquela produzida em juízo, conclui-se que, diante de duas confissões – uma judicial e outra extrajudicial –, apenas aquela colhida no interrogatório judicial é que pode ser valorada no processo penal.5

Assim, concluiu o Ministro que a eficácia probatória da confissão extrajudicial se limita somente ao trabalho das autoridades policiais e acusadoras em buscar outros elementos, a partir do relato do investigado, que comprovem a tese acusatória, mas não podendo ser utilizada como prova judicial.

Em extensão a tal posicionamento, o Ministro Ribeiro Dantas também explicou o conceito de desertos probatórios ao mencionar a fragilidade das provas trazidas pela acusação, de maneira a instigar o pensamento de considerar a confissão apenas mais uma prova a ser colhida judicialmente, não um elemento definitivo para a condenação do indivíduo.

Além de dever ser colhida mediante os princípios legais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, a confissão judicial deve ser valorada proporcionalmente à coerência com as demais provas acostadas pela acusação6.

Dessa forma, a 3º Seção do STJ firmou a seguinte tese:

  1. A confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho

do policial que a colheu).

  1. A confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.
  2. A confissão judicial, em princípio, é, obviamente, lícita. Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do artigo 197 do CPP.
  3. Ainda que sejam eventualmente descumpridos seus requisitos de validade ou admissibilidade, qualquer tipo de confissão (judicial ou extrajudicial, retratada ou não) confere ao réu o direito à atenuante respectiva (artigo 65, III, “d”, do CP) em caso de condenação, mesmo que o juízo sentenciante não utilize a confissão como um dos fundamentos da sentença. Orientação adotada pela Quinta Turma no julgamento do REsp 1.972.098/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, em 14/6/2022, e seguida na 5ª e na 6ª Turmas desde então.

Por fim, em relação à modulação dos efeitos das teses firmadas no julgamento do AREsp 2.123.334, determinou-se que essa se desse de maneira temporal com incidência a partir do primeiro dia após a publicação do acórdão no DJe, o que ocorreu aos 02 de julho de 2024, em observância à segurança jurídica resguardada pelo ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do artigo 927, § 3º, do CPC. Na prática, vai impedir que milhares de Habeas Corpus cheguem ao tribunal para anular condenações anteriores.

Dessa maneira, é possível observar o tamanho avanço que o Poder Judiciário deu ao determinar a aplicação de tais medidas, a fim de impedir

diversas condenações baseadas em elementos frágeis e manipulados, além de dar um olhar mais humano e digno às vítimas de tortura policial, tornando explícito um problema muito além de recorrente na segurança pública brasileira.


1 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2022.

2 AREsp n. 2.123.334/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 20/6/2024, DJe de 2/7/2024

3 LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

44 SULLIVAN, Thomas; VAIL, Andrew; ANDERSON III, Howard. The case for recording police interrogations. Litigation, v. 34, n. 3, 2008.

5 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro; MOTTA, Thiago de Lucena. Injustiça epistêmica agencial no processo penal e o problema das confissões extrajudiciais retratadas. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 9, n. 1, 2023.6 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

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NAMORO QUALIFICADO E UNIÃO ESTÁVEL: DIFERENÇAS E EFEITOS LEGAIS

Em razão das suas especificações, é necessário distinguir a união estável de outro instituto também reconhecido e relevante juridicamente: o namoro qualificado.

O namoro nasce quando duas pessoas decidem por iniciarem um compromisso público evidenciado em uma relação afetiva que se traduz pelo partilhar de vivências e trocas mútuas que juntos o casal estabelece sob regime de confiança. 

Importa pontuar que a conceituação de namoro tem passado por modificações em meio aos anos. Em séculos passados esse termo sequer existia, tampouco nos moldes atuais, assim, diante do desejo de uma união, em poucas semanas ou até mesmo dias o casal já subia ao altar.

Contudo, na contemporaneidade, os namoros têm sido prolongados e com novos nuances; a insegurança financeira, o receio das privações ligadas à vida conjugal e, sobretudo, o medo pessoal de assumir responsabilidades conjuntas, levam os casais a optarem cada vez mais por namoros mais longos e com relações mais estreitas.

Dessa forma, os vínculos mais íntimos, exteriorizados normalmente pela vida a dois em uma convivência sob a mesma casa, a conjugação de tarefas e contas são situações que possibilitam que essa relação passe a ser entendida no direito como uma nova modalidade de união, a saber: namoro qualificado, que, por sua vez, não se trata de família como a união estável e o casamento.

O namoro qualificado se assemelha à união estável em diversos pontos, mas a ela não se equipara, visto que ausente o objetivo  de constituição de família.

Logo, o elemento que distingue a união estável do namoro qualificado repousa na ausência de intenção da constituição de família pelo casal. Desse modo, sem o elemento da vontade, o casal jamais se enquadrará nos moldes da união estável.

Namoro simples VS Namoro qualificado

O namoro simples é instituído no momento em que um casal decide ter um status afetivo, que não necessariamente se estende ao compromisso propriamente dito, tampouco é tido como uma relação que é notada por toda a sociedade. Além disso, nesse status afetivo, o casal é desvencilhado do propósito de constituir família e se esse vem a ser discutido é sempre na perspectiva de planos futuros.

O namoro qualificado, por sua vez, se diferencia do namoro simples por aquele se confundir facilmente com a união estável, uma vez que o casal usufrui de algumas qualidades vinculadas às pessoas que vivem em regime de união estável.

União Estável VS Namoro Qualificado

  1. Intenção: Sendo esta a principal diferença entre os institutos discutidos neste tópico, o elemento da vontade é a característica determinante para que a vida a dois goze do status de união estável. Assim, sem vontade imediata de constituir família, um casal jamais estabelecerá união estável.
  2. Afetividade e Companheirismo: O namoro, bem como a união estável, é baseado em afeto, companheirismo e interesse mútuo. Contudo, no namoro, percebe-se a ausência de compartilhamento integral de responsabilidades patrimoniais ou familiares, enquanto na união estável a ideia de partilhar uma vida a dois se aproxima de uma comunhão plena de vida.
  3. Independência Financeira: Em um namoro, cada pessoa mantém a sua independência financeira, que, por sua vez, é desobrigada de sustento e apoio financeiro entre o casal. Por outro lado, na união estável, o casal passa a compartilhar as responsabilidades inerentes a essa união, tais como pagamentos de boletos e realização de atividades domésticas juntos.
  4. Falta de Regulamentação Legal: A legislação civil não tem reconhecido o namoro como uma instituição legal, mesmo já havendo entendimentos jurisprudenciais. Assim, não há direitos ou deveres legais específicos estabelecidos em lei para o namoro. O contrário, por sua vez, ocorre com a união estável, que possui regulamentações na legislação nacional.
  5. Convivência Pública e Duradoura: A união estável pressupõe que o casal partilhe de convivência conjunta de forma pública e duradoura, o que não significa que o casal precise viver sob o mesmo teto do companheiro, essa convivência diz respeito ao partilhar propriamente dito de uma vida semelhante à conjugal. No namoro qualificado, por sua vez, a convivência pode até ser um fato, mas os deveres que dela decorrem não costumam se evidenciar, tampouco de forma pública.
  6. Direitos e Obrigações: A união estável confere direitos e obrigações semelhantes ao casamento, incluindo o direito à herança, à pensão alimentícia e à partilha de bens adquiridos durante a união. No namoro, isso não irá ocorrer, uma vez que tendem a não partilhar de deveres recíprocos, responsabilidades financeiras, convívio estável, o que não se configuraria como justo. Assim sendo, aqui se impera o ditado: “Dai a César o que é de César”.

Contrato de namoro VS Contrato de união estável

Todo e qualquer contrato é celebrado sob a necessidade das partes em registrar os acordos que desejam pactuar e quais os termos que irão regê-los.

Diante disso, o contrato de namoro nada mais é que um pacto documentado entre um casal de namorados que desejam estabelecer critérios à relação, a fim de assegurar aquilo que entendem ser necessário.

Importa citar que na maioria dos casos, o casal procura resguardar o seu patrimônio, haja vista que havendo o término da relação, ambos não sentirão os efeitos jurídicos do regime da união estável.

Desse modo, o contrato de namoro protege que o comprometimento do casal seja um dever entre eles e que os seus patrimônios presentes e futuros não sejam submetidos ao regime de separação parcial de bens (se a gente se separar é tudo meio a meio) e, consequentemente, evitar que os bens de ambos sejam objetos de uma futura partilha.

Por fim, o contrato de união estável possui outras particularidades. Este, por sua vez, pode ser celebrado a qualquer tempo e precisa que o casal manifeste vontade de juntos conviverem como se casados fossem.

Como fazer o reconhecimento de união estável ou contrato de namoro?

Se você deseja realizar um contrato de namoro ou de união estável, o melhor a se fazer é procurar um(a) advogado(a) especializado(a) em Direito de Família, pois ele(a) poderá garantir que todos os aspectos legais sejam respeitados e aplicados corretamente, garantindo que o casal possua uma assistência segura de um profissional que entende do assunto e que buscará a melhor maneira para garantir benefícios às partes, além de garantir que você passe a estar ciente do relacionamento que deseja constituir e suas implicações legais.

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RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL: DOCUMENTOS PROBATÓRIOS

Sabe-se que o comprometimeento entre duas pessoas é um fato social com relevância no âmbito jurídico desde o início dos tempos. No que concerne à união estável, trata-se de um instituto jurídico traduzido como a relação afetiva entre duas pessoas que mantêm um relacionamento estável e duradouro e que perante a sociedade são entendidos como se casados fossem. 

É importante destacar que a união estável, bem como o casamento, é tutelada pela Constituição Federal de 1988. Nesta, é possível verificar o reconhecimento dessa sociedade de fato como mais uma entidade familiar legitimada para gozar de proteção legal.

Com o reconhecimento da união estável como sociedade de fato e merecedora de tutela jurídica, percebe-se que há uma equiparação em termos de ditames legais entre a união aqui discutida e o casamento. Diante disso, conclui-se que antes de estabelecer um vínculo matrimonial ou constituir união estável, é necessário observar as normas constitucionais intrínsecas a cada uma. 

A oficialização da união estável, seja por meio de escritura pública ou de um contrato particular é uma forma segura de garantir e resguardar todos os seus direitos, mas não se preocupe caso você se adeque a essa possibilidade, pois nem tudo está perdido, haja vista que existe meios que a união estável que você constituiu seja legalmente reconhecida e amparada pela legislação nacional.

Diante da necessidade de comprovação de união estável, pode-se apresentar documentos que demonstrem a sua existência. São opções de provar que você vivia em uma união estável: comprovantes de residência de um mesmo imóvel em nome de ambos, conta bancária em conjunto, declaração de imposto de renda comprovando a dependência do companheiro, plano de saúde em nome dos dois e testemunhas.

Ainda nessa toada, a existência de filhos ou necessariamente morar na mesma casa, não é requisito determinante para comprovar a existência de união estável. Tudo isso pode ser indícios, mas corrobora com o entendimento de que a união estável é um fato entre o casal.

  • Casamento VS União Estável

Como exposto, há uma equiparação entre os dispositivos legais que regem ambos os institutos. Logo, o casamento e a união estável são duas manifestações de família dotadas de especificidades próprias.

O casamento é uma comunhão plena de vida que se dá por meio da anuência entre duas pessoas que formalizam sua relação perante a lei, por meio de uma celebração e registro em cartório. O contrato celebrado pelo casal estabelece não só uma união regida por direitos, mas também por deveres específicos para os cônjuges, não havendo qualquer impedimento na conjugação de atividades entre eles mesmos.

A união estável, por sua vez, é uma forma de relacionamento que não requer formalidades na sua formação, mas que não deixa de conferir direitos e deveres aos parceiros, semelhantes aos do casamento, como, por exemplo, a partilha de bens. 

Posto isto, percebe-se que a maior diferença entre o casamento e a união estável está na sua formalização. Enquanto no casamento é necessário ter um processo formal de celebração e registro, a união estável pode surgir de forma espontânea, somente com a convivência e o reconhecimento público do relacionamento.

  • Principais características da união estável 

Convivência pública: O casal deve viver junto de forma em que a população perceba que eles estão em um relacionamento;

Estabilidade: O relacionamento deve ser estável e seguro;

Durabilidade: O casal deve ter um relacionamento duradouro, sem tempo definido por lei, mas com jurisprudências acerca disso;

Intenção de constituir uma família: Os companheiros devem ter a intenção de construir uma família juntos, compartilhando responsabilidades e projetos de vida.

  • Como comprovar a união estável 

Uma união estável se caracteriza diante de uma relação pública, contínua e duradoura e que tenha o objetivo de constituir uma família. Diante disso, ter conhecimento de como comprovar a união estável é de sum importância, visto que assegura direitos semelhantes aos do casamento.

Existe diversas formas de comprovar a união estável, a maneira mais comum é através do contrato de união estável, formalizado e registrado em cartório. Esse contrato é importante para assegurar direitos e deveres sobre aquele relacionamento afetivo, sendo importante para casais que preferem viver diferente do casamento tradicional. 

Todavia, muitos casais passam a viver como se casados fossem, mas sem que um contrato seja celebrado, acabando, assim, com a primeira e mais segura forma de comprovar a união estável, que, por sua vez, é a mais convincente.

Outra forma de comprovar a união estável é por meio de documentos com endereço em conjunto. Logo, comprovante de residência em endereço em comum, é fundamental para mostrar a coabitação entre as duas pessoas do relacionamento. Esse documento reafirma que o casal tem uma parceria afetiva estável e duradoura, reconhecida socialmente e com intenção de constituir uma família. Vale salientar, que coabitação não é obrigatório para se definir ser uma união estável, embora viver sob o mesmo teto seja um forte indicativo da relação.

  • Existe tempo mínimo específico para provar que se está em uma união estável?

Não existe tempo mínimo específico determinado por lei, pois o que define a união estável é a existência de uma vida conjugal pública, contínua e duradoura, com objetivo de constituir família. Assim sendo, o tempo de relacionamento não é o mais importante ao se definir se é ou não uma união estável, é mais importante considerar a qualidade e as intenções daquele relacionamento. 

Vale salientar que, mesmo não tendo um tempo mínimo definido por lei, não quer dizer que qualquer tempo defina uma união estável. O STF, inclusive, firmou entendimento de que o prazo de dois meses de relacionamento não é passível de se considerar algo estável e duradouro. Desse modo, embora não haja um tempo definido para determinar se é uma união estável, é necessário considerar um tempo e uma análise do caso para uma definição correta. 

  • Como fazer o reconhecimento de união estável?

Se você deseja fazer o reconhecimento da sua união estável, a recomendação é de que procure um(a) advogado(a) especializado(a) em Direito de Família, pois ele(a) poderá garantir que todos os aspectos legais sejam respeitados e aplicados corretamente, garantindo que tenha o benefício para ambas as partes. Após isso, você estará ciente se a união que estabeleceu ou que deseja formar possui características de uma união estável e se realmente é o que você deseja instituir.

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QUAIS SÃO AS HIPÓTESES DE ISENÇÃO DE CARÊNCIA EM BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE?

O Benefício por Incapacidade Temporária (Auxílio-doença) e a Aposentadoria por Incapacidade Permanente (Aposentadoria por Invalidez) podem ser concedidos independentemente de carência? A resposta é sim.

Carência se trata do número mínimo de contribuições previdenciárias indispensáveis para que o segurado da previdência faça jus a um benefício.

O período exigido como carência pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/1991, para os benefícios por incapacidade (Temporária e Permanente), são de 12 (doze) contribuições mensais.

Ocorre que existe uma lista de doenças prevista na Portaria MPAS/MS nº 2.998/2001, do Ministério da Saúde, que fazem com que as pessoas que são portadoras de tais enfermidades fiquem isentas da carência.

Confira a nova lista de doenças que isenta o segurado do INSS a cumprir carência:

  • Tuberculose ativa
  • Hanseníase
  • Transtorno mental grave, desde que esteja cursando com alienação mental
  • Neoplasia maligna (Câncer)
  • Cegueira
  • Paralisia irreversível e incapacitante
  • Cardiopatia grave
  • Doença de Parkinson
  • Espondilite anquilosante
  • Nefropatia grave
  • Estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante)
  • Síndrome da deficiência imunológica adquirida (Aids)
  • Contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada
  • Hepatopatia grave
  • Esclerose múltipla.

Assim, se você é portador de uma das doenças acima elencadas, saiba que pode ter direito ao Benefício por Incapacidade Temporária (Auxílio-doença) ou a Aposentadoria por Incapacidade Permanente (Aposentadoria por Invalidez), desde que mantenha a qualidade de segurado da previdência.

Lembrando que só tem direito a isenção de carência se o segurado comprovar que a doença teve início após a filiação ao RGPS (Regime Geral de Previdência Social).

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