REVISÃO CRIMINAL E A ABORDAGEM DE NULIDADES DA PROVA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO

Ao tratar do reconhecimento de culpa e responsabilização penal dos indivíduos dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal é muito clara ao estabelecer que, antes do trânsito em julgado, ninguém poderá ser considerado culpado. Isso significa uma segurança para os cidadãos, impedindo que sejam aplicadas penalidades anteriormente ao esgotamento de todas as possibilidades e oportunidades de se provar a real responsabilidade daquele indivíduo diante de uma situação.

Dessa forma, são diversos os recursos existentes no rol do Código de Processo Penal, como os embargos, a apelação, os recursos extraordinários e especiais, os recursos em sentido estrito, e demais outros meios de impugnação de decisões. No entanto, por vezes o réu não é patrocinado por uma boa defesa, ou deixa de arguir tópicos importantes dentro do procedimento que acabam sendo decisivos para sua condenação. E agora, o que fazer?

Pensando nisso, o legislador instituiu a Revisão Criminal, um instrumento jurídico que permite a reavaliação de uma sentença penal condenatória transitada em julgado (ou seja, quando não cabe mais recurso) que tenha sido proferida com erro ou injustiça. É um meio de proteção do condenado contra possíveis erros judiciais, garantindo a correção de decisões injustas e resguardando o princípio da dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, podendo ser proposta a qualquer tempo após uma condenação transitada em julgado e somente pelo réu condenado, a Revisão Criminal é uma alternativa àqueles injustamente julgados culpados, podendo culminar na dissolução da coisa penal julgada e, consequentemente, em uma absolvição, remarcação de julgamento, reforma na dosimetria da pena, restituição de bens ou ainda em uma indenização ao réu condenado injustamente.

No entanto, é necessário ter em mente que a Revisão Criminal, apesar de ser um tipo de ação com sentido recursão, não se pode debater ali qualquer tipo de matéria ou ainda de qualquer modo, é necessário analisar bem as hipóteses de cabimento para saber a melhor maneira de formular o pedido de revisão criminal.

A revisão criminal não se confunde com os recursos ordinários, pois não se trata de uma continuidade do processo de conhecimento, mas sim de uma medida excepcional e autônoma, destinada a reparar injustiças resultantes de erros processuais ou fáticos ocorridos durante a tramitação do processo penal.

Segundo Aury Lopes Jr., a revisão criminal pode ser cabível nas seguintes hipóteses:

  1. Quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos. Isso ocorre quando a decisão vai de encontro ao que está claramente disposto na legislação ou quando não se sustenta diante das provas apresentadas.
  2. Quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos. Caso se prove que algum elemento de prova essencial à condenação foi falsificado, a revisão criminal se torna pertinente.
  3. Quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstâncias que determinem ou autorizem diminuição especial da pena. Aqui, são consideradas as provas que não estavam disponíveis no momento do julgamento e que poderiam ter influenciado a decisão judicial.
  4. Quando a sentença condenatória se fundar em erro de fato, resultante de atos processuais ou documentos ignorados, cuja existência ou falsidade tenha sido admitida em juízo, ou seja, evidente pelas circunstâncias. Esse ponto trata dos erros materiais que passaram despercebidos durante o julgamento.

Dessa forma, ao analisarmos os casos concretos de acordo com o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, é possível identificarmos diversas possibilidades de lograr êxito com a ação de Revisão Criminal, ainda que tratemos de nulidade das provas.

Dentre as possibilidades de reconhecimento de nulidade pós o trânsito em julgado, é necessário ter em mente um ponto muito importante: a Revisão Criminal não pode ser considerada uma extensão da ação penal principal, portanto, não é cabível revisão criminal que trata das mesmas teses e sob os mesmos argumentos que o recurso de apelação, por exemplo. É necessário ter em mente a Súmula 56 do TJCE, a qual diz que não se deve conhecer a Revisão Criminal quando houver somente base de outras peças já precluídas.

A Desembargadora Marlúcia de Araújo, ao julgar o processo de nº 0635525-49.2023.8.06.0000, entendeu que: ‘’a revisão criminal não se presta ao papel de instrumento para a perpetuação da possibilidade de interposição de recursos, apenas repetindo-se teses já claramente rechaçadas. O que aludida modalidade de ação objetiva é possibilitar o reexame da coisa julgada, mas apenas naquelas hipóteses taxativamente previstas no regramento do art. 621 do Código de Processo Penal.’’.

Em concordância a isso, o Desembargador Benedito Helder, ao analisar o processo de nº 0637779-92.2023.8.06.0000, não somente entendeu que a Revisão Criminal não é a via pertinente para realizar matéria já analisada em sede de recursos dentro da ação penal principal, mas também ressaltou que o objeto de análise naquele caso concreto já havia sido debatido em outra ação de Revisão Criminal.

Dessa forma, podemos compreender que, ainda que tenha uma natureza parcialmente recursal, a Revisão Criminal trata de uma ação independente, não podendo ser utilizada como uma extensão da ação penal principal. Deve trazer argumentos novos ou que não foram bem esclarecidos durante o curso do processo originário. Ainda que se trate de um reexame da matéria, não se pode utilizar tal meio processual como uma maneira de perpetuar as possibilidades de interposição de recursos.

Ultrapassada essa etapa de analisar a possibilidade de tratar de uma nulidade dentro da ação de Revisão Criminal como algo inédito à causa principal ou com novos fatos, as possibilidades de arguir a nulidade da prova e, consequentemente, a absolvição por ausência de acervo probatório suficiente são imensas.

Ao tratar de arguição de nulidade da invasão domiciliar em sede de Revisão Criminal, a Desembargadora Marlúcia entendeu que, diante da ausência de fundamentação do Juízo que decretou a invasão domiciliar dos réus, haja vista esse não ter particularizado os dispositivos legais ao caso concreto, bem como não demonstrou a indispensabilidade da medida para a situação. Citou, ainda, o precedente do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da Min. Sepúlveda Pertence, sob o julgamento do HC 78.013-3/RJ, o qual aduz que uma decisão que serve para todos os casos, não serve para nenhum.

Para além disso, o debate sobre a citação pessoal do réu como nulidade no processo penal também fora analisado pela Desembargadora Lígia Andrade, a qual reconheceu que, diante de ausência de intimação sobre a sentença condenatória, a Revisão Criminal é a via eleita para desconstituir o trânsito em julgado, sob pena de violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Dessarte, ao tratarmos sobre reconhecimento pessoal, é sabido que existem formalidades a serem seguidas para que tal prova possa ser considerada válida, conforme o art. 226 do Código de Processo Penal [1], sendo
apresentado à vítima apenas a fotografia do demandante, ocasião em que ela
o reconheceu como o autor do crime. Sobre o tema, a Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o procedimento
previsto no art. 226, do CPP, constitui garantia mínima de quem se vê na
condição de suspeito, razão pela qual devem ser observadas as formalidades
previstas no referido artigo. Ou seja, deveriam ter sido apresentadas, pelo menos, outras três fotografias de indivíduos parecidos com as características descritas anteriormente pela vítima, o que não ocorreu. Além disso, não houve outros meios de prova que corroborassem com a denúncia feita, culminando na absolvição do acusado pelo Juiz Convocado Eduardo de Castro Neto.

Sobre um tema bastante importante, temos também a decisão do Desembargador Benedito Helder, o qual reconheceu, via julgamento do processo 0635653-69.2023.8.06.0000, a necessidade de absolvição do acusado tendo em vista os claros indícios de tortura vivenciada pelo réu. Tais indícios foram primordiais para demonstrar a mácula da prova oral do réu, pois ele certamente a fez mediante tortura e medo do policial que o conduziu. Neste caso, fundamentou no art. 612, I, do CPP para reconhecer a absolvição do acusado, estando a sentença divergente das provas presentes nos autos.

Por fim, temos o Desembargador Mario Parente, o qual também sobre a temática. No processo de n° 0634468-93.2023.8.06.0000, decidiu pela absolvição do réu diante da incoerência das provas testemunhais quanto ao reconhecimento da legalidade ou não da invasão domiciliar e que, por haver muitas divergências, entendeu pela ilegalidade da prova.

Dessa forma, restou demonstrado a gama de oportunidades de atuação dentro da Revisão Criminal, bem como as perguntas chaves para você fazer ao seu cliente.

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[1] Ficou em dúvida? Também já conversamos sobre isso! Veja: https://youtu.be/r15uW1gxGHE?si=Vmrhe9LQ0xBeVBvD

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