NOVA QUALIFICADORA AO CRIME DE HOMICÍDIO – AS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 15.134/2025 EM MATÉRIA PENAL

A promulgação da Lei nº 15.134/2025 representa um marco no arcabouço jurídico-penal brasileiro ao estender àqueles que integram o sistema de justiça — magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos, advogados públicos e oficiais de justiça — a mesma tutela qualificada já concedida, há décadas, aos agentes de segurança estatal.

A alteração do artigo 121, §2º, do Código Penal, para incluir como circunstância qualificadora do homicídio a condição da vítima como “membro do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública, ou oficial de justiça, no exercício da função ou em decorrência dela”, não se limita a um gesto simbólico de respeito institucional.

Ao converter automaticamente o delito em crime hediondo, a norma busca transmitir ao potencial agressor, a dimensão de risco e gravidade daquele atentado, reconhecendo que a preservação da autoridade judicial é essencial ao Estado Democrático de Direito.

Embora a Lei 15.134/2025 represente um avanço significativo na tutela penal de magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos, advogados públicos e oficiais de justiça, ela revela importantes lacunas que merecem crítica qualificada. Primeiramente, chama a atenção a exclusão expressa dos advogados de carreira privada – atores igualmente essenciais à administração da Justiça, na forma do artigo 133 da Constituição Federal

Tal reforço penal — que se estende também às lesões corporais dolosas, elevando-as a hediondas quando provocadas em razão da função — revela o entendimento de que tais profissionais, embora desprovidos de farda e armamento, enfrentam ameaças contínuas: desde intimidações diretas, no âmbito de investigações criminais sensíveis, até ataques físicos no cumprimento de mandados. Ao equipará-los, em termos penais, aos policiais e agentes prisionais, o legislador evidencia a necessidade de dotar o sistema de justiça de mecanismos dissuasórios proporcionais ao grau de exposição desses atores.

No entanto, a eficácia dessa medida dependerá não apenas da gradação punitiva, mas da certeza e celeridade da persecução penal. Se, em tese, a pena mais severa deve desestimular o crime, na prática a real proteção só se efetivará se a investigação for rápida, a denúncia precisa e o processo eficiente. Do contrário, corre-se o risco de criar “qualificadoras de efeito meramente simbólico”, que aumentam a pena prevista no papel, mas deixam intacta a sensação de impunidade.

Ademais, a redação legal inclui no rol de vítimas protegidas parentes até o terceiro grau, reforçando a ideia de que o risco não se restringe ao ofensor e ao operador do direito, mas penetra o círculo familiar. Essa previsão amplia o espectro de proteção, mas também impõe ao Estado o desafio de mapear e atender demandas de segurança para grupos sensíveis, o que requer planejamento orçamentário e coordenação interinstitucional.

Em síntese, a Lei 15.134/2025 sinaliza um avanço no reconhecimento da vulnerabilidade dos operadores da justiça e de seus entes próximos, promovendo maior tutela penal. Resta ao legislador infraconstitucional e ao Poder Executivo viabilizar os instrumentos administrativos, orçamentários e operacionais que deem efetividade à norma: programas de proteção, protocolos de atuação conjunta com as polícias e garantia de recursos para escoltas e blindagens. Sem esse arcabouço de suporte, a norma corre o risco de permanecer no campo dos bons propósitos, sem traduzir-se em segurança real para aqueles que, diariamente, garantem a aplicação da lei.

A alteração promovida pela Lei 15.134/2025 ao artigo 129 do Código Penal, que disciplina as lesões corporais, representa um passo substancial no sentido de reconhecer a gravidade dos ataques contra operadores da justiça e seus familiares, mas exige também uma análise crítica sobre seus desdobramentos práticos.

Em primeiro lugar, a introdução de uma causa de aumento de pena de um terço a dois terços para lesões corporais dolosas ― quando praticadas contra magistrados, membros do MP, defensores públicos, advogados públicos, oficiais de justiça e seus parentes até o terceiro grau “em decorrência do exercício da função pública” ― amplia o espectro de proteção penal para esses agentes.

Essa elevação punitiva pretende atuar como fator inibidor da violência, sinalizando ao agente do crime que, além de responder por ofensa à integridade física, enfrentará sanção mais severa pela escolha de vítima tão sensível no plano institucional. No entanto, sabemos pela prática forense e pela criminologia que o simples aumento de pena raramente atua isoladamente como dissuasor eficaz, sobretudo em crimes de oportunidade ou motivados por conflitos pessoais. Sem a certeza de resposta rápida e efetiva do sistema de segurança e justiça, a gradação punitiva pode acabar ampliando meramente a sensação de injustiça, sem reduzir a incidência de agressões.

Mais adiante, a lei agrava ainda mais as consequências ao estipular que, no caso de lesão gravíssima (CP, art. 129, § 1º) ou de lesão que resulte em morte, o delito será enquadrado como crime hediondo, conforme previsto no novo art. 1º, I–A, da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990). Essa mudança é significativa, pois retira desses processos a possibilidade de progressão de regime e atenuações mais brandas, reforçando o caráter de reprovação extrema.

No entanto, tal categorização exige cautela: classificar infração como hedionda apenas pelo resultado gravoso pode conflitar com o princípio da individualização da pena, pois nem todo crime hediondo é igual em gravidade ou culpabilidade. É imprescindível que a dosimetria judicial continue a considerar as circunstâncias específicas de cada caso, evitando a rigidez indevida que possa gerar teses de inconstitucionalidade ou questionamentos sobre proporcionalidade.

Por fim, o dispositivo que cria um programa especial de segurança institucional, com medidas que vão de escolta e reforço de segurança pessoal até remanejamento funcional, trabalho remoto, fornecimento de coletes balísticos e veículos blindados, procura preencher lacunas que apenas o aparato penal dificilmente resolveria. Essas medidas representam um reconhecimento de que a proteção efetiva exige ações preventivas e estruturais, não apenas normas punitivas. Mais uma vez, a pedra de toque será a implementação concreta: sem dotação orçamentária adequada, capacitação de segurança e protocolo operacional interinstitucional, corre-se o risco de que tais dispositivos permaneçam no papel, sem traduzir-se em real redução de riscos.

Em suma, o endurecimento do tratamento penal das lesões corporais dolosas contra operadores da justiça e seus familiares é, sem dúvida, uma resposta normativa ao fenômeno da violência contra agentes públicos. Todavia, a efetividade dessa resposta dependerá da conjugação entre sanções adequadas, agilidade e certeza na investigação e na persecução penal, bem como de políticas institucionais de proteção — em última análise, um equilíbrio entre prevenção e repressão, capaz de assegurar que os profissionais que garantem a aplicação da lei estejam, de fato, protegidos.

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